e é inevitável. eu estarei voltando do trabalho às cinco e quinze pensando no melhor caminho para buscar minha filha em algum lugar do guará para depois deixá-la na pontinha da asa norte. no meio do percurso ainda tenho que passar no mercado para comprar pão, papel toalha e duas lâmpadas. estarei preso em um engarrafamento por quarenta e cinco minutos sob o sol de agosto. vai acontecer de alguém com um adesivo de "motorista recém-habilitado" colado no porta malas deixar o carro morrer na minha frente me prendendo por seis minutos numa pista de mão única. minha irritação aumenta proporcionalmente ao volume das buzinas atrás de mim e eu me proponho a ajudar o motorista a manobrar, e eu vou conseguir, mas na hora de voltar para meu carro, o motorista que estava atrás de mim não vai esperar, ele vai atravessar entre o recuo e o meio fio cantando pneu e quase me atropelando. depois de um dia estressante no trabalho, uma gastrite que começou na quarta-feira passada e dado meu histórico familiar de problemas cardiovasculares, tudo vai ficar vermelho. um zumbido no meu ouvido vai me fazer questionar por uns segundos se estou ficando surdo. minha respiração ficará ofegante e talvez eu acredite que pode ser só um ataque de pânico. o semáforo já abriu e fechou nesse meio tempo. uma sinfonia de buzinas ao meu redor. o som e a fúria. antes que eu consiga terminar de proferir o terceiro 'filho da puta vai tomar no seu cu' com dedo médio em riste pra'quele corno que saiu cantando pneu, vou sentir uma pontada fulminante no coração e cairei inconsciente batendo a cabeça no asfalto. minha filha deixará várias mensagens no meu celular em um tom de impaciência com meu atraso sem saber que estou em uma ambulância a caminho do hran. ganharei de 7 a 12 dias de atestado e uma cicatriz em T na testa. meu médico vai dizer que dessa vez foi por pouco e que eu deveria agradecer a deus após me mostrar gráficos e escalas dos exames médicos. ouvirei o clássico discurso sobre parar de beber e fumar, evitar frituras, começar a fazer atividade física e ele me receitará duas caixas de losartana. não vou morrer, mas vai ser a gota d'água para minha ex-mulher me proibir de dirigir. ficarei relutante, mas vou aceitar calado. eu quase morri. no dia seguinte comprarei uma bicicleta. quatro dias depois sou atropelado por um táxi.
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